A Cor Fez a Diferença.

Camila Berteli
16 min readApr 17, 2021

--

É sobre desconstruir. Qual é o nosso papel na criação de novos contextos.

Paula Belle Flores

O mês de março foi muito intenso para mim, positivamente falando. Participei diversas oficinas no programa de pluralidade em meu trabalho, fui convidada para estar em diversos espaços para compartilhar conhecimento. Quem me conhece sabe que isso é uma das coisas que eu mais amo fazer. Mas, com tudo isso veio um profundo sentimento de reflexão, sobre os meus privilégios e desconfortos. Quando isso acontece, meu caminho é escrever.

Por isso, decidi escrever 3 textos, o objetivo é pessoal, mas também de, quem sabe, conectar por meio do meu processo de aprendizagem, mais pessoas e aprender junto!

Eu amo o poder das histórias e hoje vou compartilhar um pouco da minha! O primeiro, que você poderá ler agora— A cor fez a diferença. O segundo — Os Suportes Todos Meus (inspirado no livro da Virginia Woolf) e o terceiro sobre — Gerando Desconfortos, esse talvez o mais difícil.

Eu sou a Camila Berteli, mulher periférica, branca e, sim, muito privilegiada.

O privilégio tem vários subtítulos, pode ser financeiro, de aprendizagem, de rede de suporte, de cor e de muitas coisas. Hoje atendo muitos deles, apesar de ainda construir o meu capital sobre o déficit de muitos que vieram antes de mim. Déficit de moradia, de acesso à educação de alta qualidade, a saúde e muitos outros que os meus ancestrais não tiveram.

Ainda assim, tenho muitos privilégios, posso pagar um aluguel em um bairro com baixo índice de violência, tive acesso à educação pública, porém complementada com cursos, tenho ensino superior, pude viver em uma casa com muito amor, suporte e incentivo familiar e isso é muito, diante do cenário Brasil. Por isso, eu vim falar sobre o meu papel nos espaços que eu ocupo e as reflexões e ações que posso/devo fazer.

Primeiro, começo com um sentimento de que ainda não faço o suficiente e há muito desconforto em mim quando eu penso sobre o quanto eu questiono as conjunturas sociais que eu estou presente.

Ih lá vem a defensora das vítimas do sistema, você pode pensar! Essa palavra que a gente insiste em apontar como o maior dos defeitos do capitalismo moderno. Sim, eu carrego minhas lutas. Até onde eu posso ir? Como ainda deixo escapar momentos que poderia ter me posicionado. Eu me cobro para estar atenta e, principalmente, consciente no mundo atual. Para mim, pensar sobre como as historias das pessoas são construídas é o oposto do vitimismo. Para mim, é só a partir da conclusão de que há muitas diferenças no mundo que se pode fazer algo. E é por ai que comecei.

“Se você não gosta de algo, mude. Se você não pode mudar isso, mude a sua atitude” Maya Angelou

Quando falo sobre consciência, não estou falando sobre ter acesso à informação, que sem dúvidas, tem avançado muito. Minha fala é sobre a consciência com ação. Aquelas que mudam algo, que deixam o caminho mais leve para quem chega, que tenta não cair no engano de reproduzir os padrões atuais. Que vamos combinar, só reforçam as diferenças.

Hoje eu escolhi compartilhar o meu despertar! Antecipo que é um relato muito pessoal, portanto cheio de vieses. Mas é essa a jornada mesmo, para aprender e mudar algo precisamos falar sobre aqueles sentimentos bem incômodos e hoje me sinto preparada para isso.

A cor fez a diferença!

Eu nunca sofri racismo. Óbvio, sou branca, por isso, hoje estou aqui para falar de um lugar que tenho tentado ocupar cada vez mais: Antirracista.

“Numa sociedade racista não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”. Angela Davis

Eu nasci em Guarulhos, São Paulo e fui criada até os 9 anos em um bairro chamado Cocaia, em uma comunidade perto do Aeroporto de Guarulhos. Minha infância foi muito simples, boa parte das minhas brincadeiras eram ficar na rua, usar caixa de papelão para imitar brinquedos ou contar aviões e sonhar com eles.

Sobre minha família: Do lado paterno, sou neta de nordestinos e do lado materno, neta de uma filha de indígenas que se casou com um filho de imigrantes italianos.

Minha mãe é a sexta filha de 12 irmãos. Deixou os estudos na quarta série (aproximadamente com 10 anos) para trabalhar e é a mulher mais sabia que eu conheço, vale ressaltar. Meu pai saiu também de casa aos 14 anos para trabalhar e buscar alternativas. O mais velho de 6 irmãos, foi o primeiro da família a conseguir chegar no ensino superior aos 34 anos (já com filhos e tudo). Temos muito orgulho dele por isso, por tantas batalhas que já enfrentou e ainda enfrenta na vida. Os dois se conheceram no trabalho e se casaram!

Depois de 2 anos, em 1988, a primogênita do casal nasceu, eu mesma 🤗. Em ambas as famílias eu me sentia muito querida. Do lado do meu pai eu era a neta mais mimada da minha vó, meus primos podem negar, mas é real. Do lado da minha mãe, eu era a xerox do meu avô, herdando os traços dele.

E por que esse pedaço da história é importante para este texto? Para que você entenda, leitor, que conhecer a nossa história é importante para respeitar a nossa dor e a dor do outro. Esse é o primeiro passo para ampliar a empatia e a escuta.

Na minha história houve muitas batalhas, mas na nossa casa nunca foi questionado questões de gênero, de raça ou de diversidade em si, portanto claro, que carregamos muitas falhas neste sentido e demorei para perceber coisas óbvias.

Nesta família fui crescendo, aos meus 9 anos saímos da cidade de Guarulhos e nos mudamos para São Paulo — Brasilândia, zona norte. Bairro onde meus avós maternos já moravam. Morávamos em uma casa emprestada pela empresa que meu pai trabalhava na época, para que ele pudesse estudar.

Aqui começam as minhas principais memórias e a consciência da diferença que ser uma criança branca e loira fez no meu contexto.

Era uma criança sonhadora e muito ativa, minhas lembranças são muito boas! Enquanto pequena ouvia muitos elogios como, essa menina linda, cabelo dourado, é inteligente. Todos adoravam dar conselhos para os meus pais. Tinha um pouco de dificuldade de comunicação e logo falaram: Acho que você deveria a colocar em aulas de teatro - logo meu pai fez, parece cantora internacional, fiz aulas de canto na igreja, ela parece estrangeira, assim eu sempre me convenci que precisava falar inglês. Cresci com isso tão forte que não sei dizer se todos os meus gostos foram meus ou foram frutos deste ambiente, o fato é que ele me moldou.

Na minha infância adorava esse lugar, que criança não gostaria. Sempre fui a que recebia os papéis de princesa, a noiva da quadrilha, a monitora da sala, a que abria o coral cantando. Até quando dancei Survivor da Destiny’s Child na escola- fui a dançarina do meio (sim amigos a Beyoncé) na apresentação. Eu podia ser quem eu quisesse ser! Olha que lindo isso. Mas pergunte para qualquer mulher preta qual era o contexto dela? Não é apenas de não ter os espaços, mas, principalmente, se ser desencorajada o tempo inteiro. A autoestima feminina já sobre agressões, da mulher preta, então, nem se fala. Consigo me lembrar de amigas que tinham tanto quanto, em muitos momentos, mais talentos do que eu, o que aconteceu? Por que esses espaços não eram compartilhados?

Eu sei que há meu esforço nisso tudo, claro que teve, mas não dá para negar que ninguém questiona o meu espaço. Pelo contrário, era o orgulho, mesmo quando não estava afim, era convidada.

Chegou a adolescência e aprendi o discurso da meritocracia, replicado pela minha família, pela minha escola e por todos os espaços em que eu estava. Por tempos, atendia a alguns requisitos. Era nerd (isso ainda sou rs), todo mundo me achava inteligente, me preparava antes das aulas. Na época era a única que tinha computador e internet! Até pedia para fazer trabalhos para os meus amigos, pois os meus eram impressos e não feitos à mão. Tinha todo o carinho dos meus professores e, mesmo com orçamento apertado, meu pai sempre me dava os livros que eu queria. Meu material escolar era impecável.

Fui presidente do Grêmio, campeã no esporte, oradora da turma, ganhei primeiro lugar em redação, continuei estudando música, frequentava museus e até a sala São Paulo, eu conhecia Mozart e Bach, fui bolsista no cursinho e era insuportável (risos) vamos combinar, não é exagero. Tinha tripla jornada desde os 12 anos. Ser chata era parte da minha personalidade cult. Nem dá para questionar meus pais, eles achavam muito, mas eu queria mais. Quando alguém questionava esse lugar eu dizia, você também pode, basta querer! Você não que se esforça suficiente.

Nesta fase precisei até mudar de escola, pois tive problemas de relacionamento. Claro, estava tão ocupada que não conseguia me conectar. Foi quando tive o primeiro contato com a terapia, ainda bem! Iniciei um processo muito importante para quem eu sou hoje.

A cobrança e a busca pelo destaque, pelo primeiro lugar era a meta e ainda hoje preciso estar atenta com isso. Mas definitivamente não quero ser essa pessoa. Neste processo, precisei da sabedoria dos meus pais para me mostrarem que o mundo não era tão simples como eu gostaria e sempre relembrar nossas origens e como não era tão fácil para outras famílias. Eles perceberam o caminho que eu estava tomando e começaram a ampliar a minha visão sobre meu ambiente e, apesar de tudo, me criaram com muita empatia para demarcar que o meu privilégio era fruto de muito trabalho e esforço deles e me deram espaço para ser mais eu, mais autêntica.

Mas, sou sonhadora lembra? Sempre fui incentivada a ser mais, por isso, acreditei e fui. Vale ressaltar que meus sonhos eram algo, muitas vezes questionados, ninguém entendia de onde eu tirava a maioria das coisas que eu gostava. Tudo que eu acessava compunha esse imaginário.

Hoje, eu sei que meus sonhos são parte do meu privilégio. Muitos dos meus amigos e suas famílias estavam no lugar de sobrevivência, então como esperar de quem não tem estrutura familiar, ou comida na mesa possa ter sonhos? Antes de sonhar muita coisa acontece no mundo real. Eu tenho amigos de infância que foram assassinados (todos negros, vale ressaltar), que morreram de overdose, colegas engravidaram com menos de 18 anos. A periferia é tudo isso mesmo, violência, abusos e pouca perspectiva para a maioria.

Com 15 anos, chegou o primeiro emprego e eu não via a hora de trabalhar! Não veio tão fácil assim quanto eu imaginava, busquei bastante e não entendia por que não me chamavam para entrevista. Logo eu?

Um dia conversei com uma professora e ela me falou, deixa eu ver o seu currículo. Ela me disse: _Uhhh deve ser o endereço. Eu respondi: _Endereço? Ela falou: _Sim, quando o povo do RH vê que é Brasilândia, acho que ficam com medo! E a dica que ela me deu foi, coloca o meu endereço que é da Freguesia do Ó (suporte). Acho que pode ajudar. Na hora pensei: Nossa, mas que injustiça! Que mundo é esse que o lugar onde você mora gera medo nas pessoas? (Consegue fazer a mesma relação com a cor da pele de alguém?)

A entrevista veio e o emprego de menor aprendiz também. Uau, ele abriu uma grande etapa na minha vida! Muito rápido eu me achava a própria executiva 👩‍💼. Comecei a falar diferente, me vestir diferente, a frequentar lugares diferentes. Achava que sabia o que queria e tinha certeza de que tinha muita consciência crítica (risos).

Débora Islas
Ilustração — Débora Islas

Participava de grupos estudantis, sabia o que era o comunismo e os movimentos sociais, já tinha lido Marx e Engels. Mas lá no fundo sabia que se eu não compartilhasse de onde eu era, nos espaços fora da minha origem, não havia quem questionasse, então para que chorar? Eu passei a questionar um pouco a meritocracia, mas ainda fazia tudo a favor dela. Tenho o mundo pela frente! De fato, eu tinha e ainda tenho.

Aos poucos meu círculo de convivência foi embranquecendo, as pessoas negras que convivia estavam marcadas geograficamente, inclusive em minha família. Eu vi que sim, a vida era diferente mesmo da ponte para lá.

A universidade: Passei no vestibular, a primeira mulher da família, que orgulho! Cada ambiente que eu passei a me inserir, a partir daí, era mais longe da minha realidade periférica.

Me choquei quando percebi que na minha sala no ensino superior, não era o destaque nos estudos, pelo contrário, estava bem longe do padrão e do acesso que meus colegas tiveram. Acendeu o alerta clássico da meritocracia: Preciso me igualar, preciso estudar mais, ler mais, mais e mais. Eu sei que isso é verdade gente! Não há jornada fácil, mas eu espero que você entenda que, também, há muitos empecilhos que não dependem só de você, que dependem do seu gênero, da sua cor e tantos outros pontos. Só o fato que eu saber que existia um mundo onde as pessoas sabiam mais do que eu, já era algo inédito.

Fui bolsista e frequentei o ensino superior público, mas para continuar estudando eu precisava trabalhar. Ainda assim, reconheço que a maior parte do meu dinheiro era gasto na tentativa de me fazer pertencer a esse mundo novo que me encantava.

Eu vivia uma vida muito paradoxal. Tomava café com minhas amigas da faculdade na Benjamin Abraão, roupas de marca, sandálias Melissas de todas as cores e depois voltava para casa no ônibus Brasilândia 8542 cheio. Com uma atmosfera muito familiar, mas que não queria assumir. É horrível dizer isso, mas eu não me orgulhava de onde eu vivia mesmo me achando a maior revolucionária.

Todos os caminhos foram se abrindo, fiz um estágio em uma multinacional, estudei na Inglaterra, conheci vários países e sentia que tinha merecido e eu tinha mesmo. Acordava às 5h e ia dormir depois da meia noite. Sem as travas estruturais do mundo racista e com todo suporte que tinha: Minha mãe deixava minha marmita pronta e o lanchinho também, a roupa lavada e, quando faltava um pouco para comprar o livro que precisava naquele semestre, meu pai completava. São coisas muito básicas né? São, será mesmo?

Segui vivendo o meu privilégio, eu já questionava algumas coisas, mas ainda era valorizada nos meus espaços, no meu teto, com meu suporte, cor, aprendizagem e tudo mais. Veja que não estou aqui para dizer que você não deve batalhar pelos seus sonhos, claro que deve! Mas estou aqui para convidar a reflexão que fui forçada a viver.

Tudo ia aparentemente bem quando na universidade passei por um momento que me sugou daquele sonho americano utópico. A verdade é que eu estava vivendo a própria distopia que eu acompanhava em livros e não percebia.

Um dia eu cheguei em casa e vi que alguém da faculdade, que até hoje não sei quem, havia feito uma página falsa em meu nome. O título era — Camila — Do Lixo ao Luxo! Branca sarará, bolsista que nem deveria estar ali.

Proyecto Bioroom — Le Cool Barcelona

Foi um choque. Fiquei muito triste por meses, do tanto que mexeu com coisas aqui dentro. O caso chegou até a coordenação do curso. Meus questionamentos incomodavam muito, me falou um professor. E eu nem estava no meu maior nível de consciência. Alguns disseram que eu deveria perguntar menos, passar despercebida, assim não teria risco de perder a bolsa ou algo assim.

Foi ali que senti um chamado para entender melhor o meu papel nos espaços que ocupava. O que significava ser uma mulher da periferia e principalmente, porque eu era uma das únicas naquele espaço. Por que na minha escola pública eu tinha muitas pessoas negras e na universidade eu tinha duas apenas? Uma delas precisou parar no meio para trabalhar.

Foi um soco! Fui aprender, ampliei minha visão do lugar da mulher, das conquistas importantes femininas, da causa racial. Essa experiência mudou minha vida.

Percebi que o fato de ter no meu discurso o questionamento de classe era algo que não era aceito naquele ambiente que eu valorizava tanto. Que mesmo vindo da periferia, tinha conquistado muitas coisas, que me esforçava, mas que não era tão simples assim.

Que o fato de poder falar e estar naquele espaço era para poucos, que ser oprimida, em algumas situações, por ser mulher e periférica, não carregavam o peso da cor e a minha rede de apoio eliminou diversas barreiras.

Que as opressões são reais e que uma pessoa preta, mesmo que ela seja rica, enfrentava muito mais estranhamento do que eu. E que quando falamos das pessoas pretas e da periferia, nem se fala! Fiz um movimento que consigo lembrar exatamente: Levantei a minha cabeça para tudo que acontecia ao meu redor.

A cor fez diferença da minha história sim e continua fazendo. Assumir isso não foi fácil para mim e não é para ninguém. Porém, foi essencial para ampliar a minha humildade e meu engajamento com pessoas diferentes de mim. Claro que você já sabe que sou batalhadora, mas o mundo abre os braços para mim e ele não é assim tão bacana com o resto do mundo.

As opressões são diferentes e precisamos reconhecer isso com urgência, para que possamos ser agentes de potência em todos os espaços. Para que possamos atuar desde a infância até as relações adultas que temos.

Que é muito difícil olhar para os talentos de uma criança para além da sua cor e de onde ela vem. Por isso, precisamos fazer um esforço de desconstruir esses vieses que acontecem nas pequenas coisas. Vai da boneca sempre branca na loja de brinquedos a alguém atravessar a rua quando vê uma pessoa preta ou pobre.

Que nem todo mundo tem alguém para dizer: Você consegue sim, você pode ser a guerreira, a princesa, o Jedi, a líder, a CEO, o artista e quem mais você quiser.

Para que em uma entrevista de emprego, possamos analisar o indivíduo por quem é e quem quer ser, considerando, que nem todo mundo sai do mesmo lugar. Portanto, as oportunidades são importantes!

É claro que foram muitos os momentos que me senti insegura e muito triste por ver pessoas que não tinham se esforçado nem um terço do que eu tinha, conquistarem, como mágica, alguns espaços. Ainda há muito a ser feito. Por isso, estamos aqui. Hoje tenho certeza de que de algum lugar, alguém também olha para mim e pensa o mesmo que eu pensei.

Sou muito grata pelas dores e amores de ser quem eu sou e elas foram essenciais na minha história! Meus privilégios são reais, mas a escolha de me posicionar carrega muitos riscos, ainda assim, me vejo em momentos em que eu sou a única naquele espaço que podia levantar a mão e dizer: Mas e as mulheres? Mas e as pessoas pretas? Mas e as pessoas com deficiência? LGBTQI+? Ihhh a lista vai longe.

Estou na batalha da vida como todo mundo, não quero uma medalha por pensar diferente ou fazer o mínimo, que é questionar. Só quero que seja possível fazer micro revoluções nos espaços que eu ocupo. Tenho bons exemplos de mulheres e homens da periferia, pretos, gays e etc, que conquistaram grandes coisas. Mas por que o processo ainda precisa ser tão doloroso? E qual é a proporção disso?

“Você tem que agir como se fosse possível transformar radicalmente o mundo. E você tem que fazer isso o tempo todo” Angela Davis

Como podemos dar segurança psicológica para que todos possam usar a sua potência? Dizer que tudo é possível, basta você querer… talvez não seja tão justo como a gente achava que era. É necessário questionar os padrões.

Pode parecer utopia, mas eu prefiro sim acreditar na abundância. Podemos fazer muito mais se formos juntos e diversos. A construção de uma realidade melhor só é possível se for plural.

Me pergunto todos os dias como gerar impacto. Estou muito feliz e emocionada de poder compartilhar minha história, pois aqui também tem o meu orgulho de toda a minha jornada. Aquele que eu já não tive, mas que me dá coragem para fazer o que eu faço.

Aqui, alguns exemplos simples que acho que podem ajudar, se você não faz ideia por onde começar: Frequento todos os espaços e, principalmente, as minhas raízes. É muito fácil estar em uma bolha. Mesmo eu que venho de um espaço periférico, também preciso fazer essa busca de forma intencional. Por isso, é preciso seguir pessoas diferentes, conversar com outras culturas, outras cidades, outras visões de mundo. Quais mulheres negras são a sua referência hoje? Que pessoa trans você conhece e conversa? Há alguém com deficiência no seu circulo de amigos, como essa pessoa se sente?

Colagem de Lara Lars

Com muito respeito, questiono as micro agressões do dia a dia. Uma pergunta ótima para responder um comentário racista por exemplo é: Desculpa eu não entendi o que você quis dizer? E para as pessoas próximas eu pontuo mesmo, sei que não é fácil, mas o que é fácil neste tema?

Quero estar próxima das crianças! Converso com todas e coloco todo o meu amor nelas. Sou rodeada de crianças e faço questão de ressaltar sua inteligência, sua capacidade, sua força. Se possível, amplie a visão cultural das crianças. Levem um primo, o filho de uma amiga para um museu, ao cinema, para assistir um filme, conversar sobre ele. Acesse canais diferentes, isso amplia entendimento e cria empatia nelas desde cedo.

Organizo grupos de mulheres e mentorias onde eu possa acompanhar pessoas e compartilhar meus erros e acertos, para que o caminho seja mais leve. E, para fechar, escolho muito bem as instituições e pessoas que apoio, para garantir que o trabalho é sério e gera impacto.

“Me levanto, sobre o sacrifício de um milhão de mulheres que vieram antes e penso: O que é que eu faço, para tornar essa montanha mais alta, para que as mulheres que vierem depois de mim possam ver além.. Nosso trabalho deve ser preparar a próxima geração para nos superar em todas as áreas. Esse é o legado que vamos deixar” Rupi Kaur.

Encerro essa reflexão dizendo que esse chamado segue vivo em mim. Seguirei questionando o status quo, muitas vezes, correndo riscos. São os questionamentos que me mantem viva e conectada. O que eu posso fazer hoje para que a tão sonhada “Oportunidades para todos” ganhe um pouco mais de alcance, já que temos muito mais recursos para identificar caminhos e alternativas mesmo diante das piores desigualdades. Mas sempre lembrando, isso não pode ser uma história única.

Para fechar a reflexão de hoje deixo algumas perguntas:

De onde você veio? Qual é a sua história?

Que tipo de apoio você recebeu ao longo da vida?

Qual é a história das pessoas que estão ao seu redor?

Com quantas pessoas pretas você convive?

Quais espaços de poder você ocupa?

Como você usa a sua influência para questionar esse cenário de desigualdade que vivemos no mundo e no Brasil?

Você pode até pensar: Tudo isso cansa né? Às vezes eu penso, nossa eu estou cansada. Então imagina quem tá na desvantagem?

“Nobody’s free until everybody’s free” | “Ninguém é livre, até que todos sejam livres” Fannie Lou Hamer

--

--

Camila Berteli

Psicóloga, rebelde, nerd, educadora, freudiana e potterhead. Apaixonada por livros, cinema, arte, filosofia, história e pessoas!