Aprendizagem transformadora — Como aprender na complexidade

Camila Berteli
6 min readSep 19, 2021

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Illustris Collaboration

Aprendizagem e educação são temas que sou apaixonada. Meu propósito é ampliar o conhecimento das pessoas em diversas camadas. Por isso, hoje 19 de setembro de 2021, eu não poderia deixar de trazer a minha reverência ao centenário do Paulo Freire e um pouco mais do conceito que me acompanhou nos últimos anos — A aprendizagem transformadora.

No mestrado eu me dediquei a compreender mais sobre o conceito e como, enquanto adultos, podemos mudar comportamentos, aprender novas competências e refletir, de forma profunda, sobre o que fazemos e porque fazemos.

É unânime que o ensino como o experimentamos tem oportunidades para o mundo atual e futuro. Em um contexto normal, com certeza, a educação tradicional foi eficiente, mas na complexidade experimentada nos últimos tempos e a que pode vir, o modelo não se sustenta. Há um excesso de métodos, tentativa de redução da complexidade que minimiza os fenômenos, pouco incentivo à autonomia, ao autoconhecimento e a heutagogia (do grego heutos = auto e agogus = guiar ou seja, um modelo onde a gestão de aprendizagem é responsabilidade do próprio aluno.

Assim nasce o que chamamos de “Aprendizagem Transformadora”, um conceito que busca desenvolver as pessoas para que possam fazer as próprias reflexões e se tornarem mais independentes, críticas, criativas e inovadoras. Para que tenham competências de resolver os problemas complexos e emergentes, com desafios e exigências cada dia maiores.

Esta teoria nasceu das obras de autores que eu admiro muito como: Paulo Freire, Edgard Morin, Bell Hooks e Jurgen Habermas. Teóricos críticos que defendem uma aprendizagem focada no aluno e no seu contexto, despertando no indivíduo a curiosidade e a inquietude.

O conceito é amplo, caso você queira saber mais, deixarei todas as referências. Aqui irei organizar em 3 atos, que não são independentes, pelo contrário, é um modelo de aprendizagem que busca ampliar a nossa capacidade nos 3 eixos: o individual, o coletivo e de impacto. Uma reflexão de como aprender na complexidade.

1 — A necessidade da reflexão crítica do indivíduo.

Por diversas vezes, o conhecimento é informativo, baseado em um processo com foco na memória e não na reflexão. Retiramos do sujeito a liberdade do pensar e não o convidamos para relacionar o seu contexto e o conteúdo. Esse é a base da teoria da aprendizagem transformadora, devemos acreditar que todos são capazes de repensar o seu universo individual e envolver o indivíduo para este protagonismo.

“É preciso situar as informações e os dados em seu contexto para que adquiram sentido. Para ter sentido, a palavra necessita do texto, que é o próprio contexto, e o texto necessita do contexto no qual se enuncia” (Morin, 2000).

Todos os autores defendem a importância das histórias de vida. As experiências profundas ou eventos de grande impacto na vida podem desencadear uma transformação súbita. Assim como a exposição a sucessivas reflexões críticas e interação com os próprios padrões de conhecimento.
É possível afirmar que a aprendizagem transformadora se efetiva quando o sujeito muda a sua perspectiva sobre si mesmo e sobre o mundo

Nota prática: Ações de autoconhecimento individual que possibilitem espaços para reflexão do indivíduo. Como psicóloga não posso deixar de trazer: FAÇA TERAPIA. Ações como roda de conversa, mentoria, aprendizagem guiada, notas do indivíduo sobre o que entendeu do conteúdo e do contexto.

2 — A importância da aprendizagem coletiva

A perspectiva coletiva é um fator muito relevante na complexidade, ela nos permite visualizar novas possibilidades e apoia a capacidade de comparação com o próprio modelo de crenças e padrões.

A transformação de algo aprendido pode acontecer de modo individual como já falamos, mas a sua potência se multiplica em um processo de transformação coletiva, compartilhado por outros, em meio a mudanças sociais e culturais que promovam debates e rodas de reflexão onde as experiências compartilhadas ampliam a visão dos indivíduos assim como a sua empatia ao ter a oportunidade de visualizar como o outro ou o grupo responde a determinado tema.

Há dois pontos de atenção neste ato- o primeiro, é que o coletivo precisa ser um espaço de confiança para o indivíduo, se ele for um meio de pressões sociais e corporativas, contrárias e impositivas, pode exercer o papel exatamente oposto, ampliando as resistências e medos.

O segundo é o papel do facilitador, líder ou educador na aprendizagem coletiva: é preciso uma relação horizontal em todos os espaços de construção de conhecimento. Em uma relação hierárquica no conhecimento, as pessoas são convidadas a obedecer e não a pensar, que as fazem transferir a responsabilidade para quem dá as ordens e que supostamente, possuem o conhecimento que justificaria essa autoridade, afirma Paulo Freire. Assim como defende Morin, a construção do conhecimento deve ser aberta, envolver a colaboração mútua entre os indivíduos.

Além de falar, é importante ouvir os outros com respeito — Bell Hooks

Nota prática: Exercícios coletivos que ampliem o lugar de fala de diversos pontos de vista, ações de retrospectiva sobre o que foi aprendido, erros e oportunidades. Desafios de problemas complexos com grupos como Boot Camps, Hackathon, dinâmica de prós e contras.

3 — Experiências, empatia e o impacto

Poucas vezes somos convidados para sair no nosso espaço de convivência e conhecer em campo o impacto das ações e comportamentos que temos.

A aprendizagem transformadora nos convida então para o que chamamos de experiências-empatia-ação. Esse método associa conhecimentos teóricos com a participação e vivência na ação e no impacto com empatia e reflexão, promovendo mudanças por meio da aprendizagem e do desenvolvimento.

O conhecimento e a reflexão teórica ampliam a consciência, mas a emoção da experiência, essa acessa lugares no indivíduo que não podemos descrever. Incorporar essa experiência no processo de ensino e aprendizagem, as dimensões socioeconômica, política, cultural e histórica são elementos essenciais para uma mudança efetiva.

É particularmente difícil numa sociedade que gostaria de nos fazer crer que não há dignidade na experiência da paixão, que sentir profundamente é marca de inferioridade; pois dentro do dualismo do pensamento, as ideias são sempre mais importantes que a emoção” Bell Hooks

Com toda certeza as experiências mais impactantes que nos transformaram profundamente envolveram viver e refletir sobre algo para além de algo teórico e instrumental.

Nota prática: Vivências em campo, experiências coletivas como trabalho voluntário, conhecer um novo lugar, conviver com culturas diferentes.

Para concluir….

Na visão transformadora, as atividades precisam estabelecer relações significativas e espaço para conhecimentos coletivamente construídos, dando-lhes significado no contexto em que vivem e acesso ao impacto que esta ação gera.

A complexidade pede um novo olhar. Podemos ser capazes de armazenar um grande banco de dados, ter valiosas informações e, mesmo assim, não construir conhecimento efetivo, muito menos gerar soluções para os temas que nos afetam. Muitas vezes o aprendizado é repassado com muitos conteúdos, informações, que não nos fazem sentirmos instigados a pensar sobre eles, a conectá-los, a estabelecer relações.

Há uma enorme diferença entre informação, conhecimento, sabedoria. É preciso favorecer a consciência da incerteza e investir em uma percepção mais plena do sujeito diante de si e do mundo, este são os princípios fundamentais para fazer nascer um outro modo de aprender. Como afirma Paulo Freire:

Ninguém nasce feito, é experimentando-nos no mundo que nós nos fazemos.

Paulo Freire

Bibliografia:

FREIRE, P. (1970). Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

HOOKS, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade / bell hooks; tradução de Marcelo Brandão Cipolla — São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2013.

HUBERMAN, M. (1992). O ciclo de vida profissional dos professores. In A. Nóvoa. Vidas de professores (2a ed., pp. 31–61). Porto: Porto Editora.

MORIN, E. A cabeça bem feita Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.

MORIN, Edgar: Ensinar a viver: manifesto para mudar a educação. Trad. Edgard de Assis Carvalho e Mariza Perassi Bosco. Porto Alegre: Sulina, 2015.

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Camila Berteli

Psicóloga, rebelde, nerd, educadora, freudiana e potterhead. Apaixonada por livros, cinema, arte, filosofia, história e pessoas!