Dark, 27 de Junho– Psicologia, Física, Freud e Jung, está tudo conectado.

Camila Berteli
8 min readJun 27, 2021

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Que todo mundo sabe que Dark é uma viagem, literalmente, não é novidade, mas há muito conceito e psicologia envolvida nesta complexidade toda que ela apresenta. Eu que adoro essas conexões de várias teorias, me empolguei com a data e vim falar, desta que para mim é uma das melhores séries já feitas.

Queria voltar no tempo para poder assistir de novo, Dark mexe com profundos descobrimentos da humanidade em todas as ciências. Então bora lá entender porque.

Começando pela Física, Dark usa para abrir a primeira temporada a grande frase de Einstein-

“A diferença entre passado, presente e futuro é somente uma persistente ilusão”.

Nela está o conceito chave de Física da série, as pontes de Einstein-Rosen (chamadas popularmente de buracos de minhoca) produzem furos no espaço-tempo, que desembocam em outro ponto do mesmo lugar, quem nos ajuda a entender mais essa história foi o físico britânico Stephen Hawking 💜.

O Universo cria efetivamente um túnel atravessável, podendo levar o individuo ao passado ou para o futuro. Em Dark de alguma forma, o buraco de minhoca na caverna de Winden foi aberto, possibilitando a volta ou a ida no tempo em 33 anos, arco em que todos os acontecimentos estão ligados. Para se abrir um buraco negro é necessário muita energia, por isso vale lembrar, que Chernobyl aconteceu em 1986, logo, a escolha da data pela série não foi uma mera coincidência.

O conceito de buracos no espaço-tempo já era defendida há muito tempo por Hermes Trimegisto que viveu antes de Cristo e já refletia sobre as leis do universo e a filosofia. Ele fazia uma conexão entre as leis físicas do universo e como isso se reproduz também na nossa mente.

Aqui a série faz a principal virada para mim, onde começa a demonstrar que os conceitos concretos não vão dar conta dessa complexidade e entram no campo da psique e da mente de forma profunda.

Hermes foi inspiração para mitos gregos e egípcios, mas há indícios que ele realmente viveu e foi o responsável por nada menos que “A Tábua de Esmeralda”, um material muito rico de conhecimento, alem disso, Hermes é considerado o criador da Alquimia, modelo de conhecimento da idade média.

É isso mesmo, isso te fez lembrar um elemento de linguagem muito importante da série, a frase– Sic Mundus Creatus Est.

Que aparece muitas vezes, nas portas do portal dentro das cavernas de Winden. O texto em latim significa “Assim o mundo foi criado”, e é um dos versos da Tábua de Esmeralda. 😱

Então bora falar mais do conhecimento compartilhado na tábua e da Alquimia.

Você deve estar pensando, mas a alquimia não era apenas química e física? O que já traria total sentido para Dark, mas nãoooo. Existem dois tipos de alquimia proposto por Hermes. Uma delas se esforça para conhecer o cosmos como um todo e recriá-lo. É, de certa forma, a percursora da ciência moderna. A outra alquimia se concentraria na possibilidade de uma transformação que nos leva a sermos nós mesmos, eu chamo isso hoje de psicologia.

O primeiro vestígio documentado sobre a Tábua de Esmeralda pode ser encontrado numa carta de Aristóteles a Alexandre o Grande durante a sua campanha na Pérsia. Esta carta integra na versão em latim a grande obra “Secretum Secretorum” (“Segredo dos Segredos”); traduzida a partir do original em Árabe “Kitab Sirr al-Asrar”, que é um gênero de livro de conselhos, tratado e enciclopédia para todos os grandes governantes da época. Este livro fala sobre as ciências que regem o universo, e foi um dos mais lidos da idade média por conter os maiores e mais poderosos segredos sobre o universo;

  • Lei do Mentalismo: “O Todo é Mente; o Universo é mental”.
  • Lei da Correspondência: “O que está em cima é como o que está embaixo. O que está dentro é como o que está fora”.
  • Lei da Vibração: “Nada está parado, tudo se move, tudo vibra”.
  • Lei da Polaridade: “Tudo é duplo, tudo tem dois pólos, tudo tem o seu oposto. O igual e o desigual são a mesma coisa. Os extremos se tocam. Todas as verdades são meias-verdades. Todos os paradoxos podem ser reconciliáveis”.
  • Lei do Ritmo: “Tudo tem fluxo e refluxo, tudo tem suas marés, tudo sobe e desce, o ritmo é a compensação”.
  • Lei do duabilidade: “O masculino e o feminino está em tudo, essa energia manifesta-se em todos os planos da criação”.
  • Lei de Causa e Efeito: “Toda causa tem seu efeito, todo o efeito tem sua causa, existem muitos planos de causalidade mas nada escapa à Lei”.

Todos esses conceitos inspiraram meu muso inspiracional da psicologia- Carl Jung. O livro- Psicologia e alquimia é o volume de número 12 das obras completas de Carl Jung que estudou 15 anos esse tema.

A alquimia da origem do universo se mistura a alquimia existencial. É uma viagem pessoal de transformação, é um impulso instintivo de crescimento para Jung, destes estudos vem alguns dos conceitos mais importante do autor –

  • Conhecer a matéria-prima do ser humano. Para isso, nós deveríamos tirar as nossas máscaras sociais.
  • Trabalhar o nigredo, a massa escura onde estão as nossas sombras, as partes escuras que não queremos ver de nós mesmos (inconsciente pessoal e coletivo)
  • Entender a união dos opostos em nossa personalidade (a nossa maldade e a nossa capacidade de fazer o bem).
  • Diferenciar a nossa psique feminina da masculina (não é sobre gênero e sim sobre conteúdo psíquico), assim como os arquétipos que estão em nosso ser (o herói, o pai, o sábio, etc.).
  • Decifrar o significado dos nossos sonhos.

Aqui conectamos com Dark mais um conflito chave, é possível mudar o curso da história? Temos poder sobre nossas próprias vidas ou os acontecimentos surgem como uma corrente que nos puxa em direção aos nossos destinos?

Como no Mito de Sísifo, em Dark, o ser humano está condenado a empurrar eternamente uma gigantesca pedra até o cume de um monte, só para vê-la rolar de volta ao ponto inicial.

A série portanto, foca na pergunta chave para Jung e todas as linhas da psicologia mais conectadas a filosofia, a “melancolia existencial” que na série está por trás do conceito de viagem no tempo e do impacto de mudar as ações, lembranças e escolhas ao longo da existência.

“Não somos livres em nossas ações porque não somos livres em nossos desejos” Jonas Kahnwald

Temos uma fantasia que a viagem no tempo proporciona de que de alguma forma a ideia de que há uma maneira de mudar o imutável, de reescrever o passado.

Em última análise, é uma forma de pensamento mágico, uma esperança de que possamos voltar e viver nossas melhores vidas, até mesmo enganar a morte, ou ajustar aquilo que insiste na nossa psique.

Dark, como o próprio nome afirma, concentra-se na futilidade dessa fantasia, e até mesmo na possibilidade de que a fantasia seja pior do que o que temos no presente.

Aqui se encontra a grandeza dessa série e quão profunda ela é. Ao misturar alquimia, física, psicologia e tantos outros conhecimentos, Dark revela o “mistério” que a alquimia na, compreensão de Jung tentou buscar:

O caráter simbólico na qual reside a possibilidade de confronto real entre a realidade objetiva (aquela que a gente acha que é) e a externa (que é a nossa interação com tudo isso), como instrumento de compreensão e de comunicação para as manifestações dos nossos conteúdos inconscientes e a psique individual consciente.

Nenhum alquimista realmente conseguiu alcançar a Pedra Filosofal (aquela essência que tanto buscavam). Aquela que todo mundo acha que é um elemento químico ou físico, alguns chamam hoje de partícula de Deus, a famosa Bóson de Higgs.

Porém, o que importava para eles era o processo em si e não a meta do encontro.

Para mim, essa matéria prima ou a pedra filosofal, somos nós mesmos e todo o trabalho é feito em algo desconhecido, que é a personalidade humana. Precisamos ser reduzidos, achar o que aconteceu antes, não apenas com a gente, mas todo conteúdo carregado na nossa história. Essa primeira matéria é o essencial para encontrar a própria pedra filosofal.

Quando você olha muito tempo para o abismo, o abismo olha para você” – Friedrich Nietzsche.

Toda a série é relacionada aos experimentos de Noah em buscar essas respostas, motivo pelo qual fazem coisas terríveis inclusive, como as crianças usadas como “ratinhos de laboratório” que falecem quando colocadas na cadeira elétrica no quarto. O mesmo efeito se estende aos animais, que diante da pressão exercida em seus corpos, acabam com seus tímpanos estourados e olhos cegados, que o óbito é decorrência da situação de desorientação.

Ao longo de todos os tempos Jonas e Martha não conseguem resolver os nós existenciais que carregam, uma frase que explica bem esse looping, que também aparece na série:

“Quem tem olhos para ver e ouvidos para ouvir, se convence que nenhum mortal pode guardar segredo. Aquele que não fala com os lábios, fala com as pontas dos dedos: nós nos traímos por todos os poros.” Sigmund Freud

A vida sempre trará à tona aquilo que foi reprimido. Viver se faz uma jornada dolorosa pois não é uma opção. Precisamos que o conteúdo do inconsciente venham para a consciência para realizar ações no mundo. Estar sempre imerso no inconsciente é viver na loucura.

Contém spoiler do final:

A escolha final da série é um banho de conceito, todos as teorias de viagem no tempo e buraco de minhoca se explicam, exatamente como conhecemos.

Mas, o que fica de mais profundo para mim foi a temática da identidade, o que somos, daquilo que fomos e daquilo que nos tornaremos.

Os protagonistas se enxergam de fora, muitas vezes abominando o que veem, lutando para não se transformarem nos monstros que suas imagens futuras refletem, em uma evidente metáfora para os nossos próprios conflitos internos, que se manifestam na forma de dilemas morais, motivações conflitantes, sentimentos mistos, desejos que contrariam vontades, razões que contrariam emoções e vice-verso.

Buscam racionalizar nas possibilidades físicas a possibilidade de resolução de tudo isso, mas não se basta.

Jonas e Martha decidem encarar o trauma que causou todas as consequências, ao fazer isso (na série, de forma real mesmo e não simbólica) demostram compaixão com a própria história e o impacto que eles tem na de todos ao redor.

Não há possibilidade de solução a não ser enfrentar o sombrio- “Dark”.

Uma mistura de mágica com realidade, para mim Dark é sobre encarar a responsabilidade que temos sobre nossos desejos e traumas e não apenas na nossa própria vivência, mas também nas que nós carregamos como humanidade, como indivíduos, no aqui e agora, com consequências no futuro.

Fecho com Jung que nos guiou aqui a maior parte do tempo!

“Mágico é, simplesmente, outra palavra para definir a psique”. – Carl Jung –

No final é tudo sobre nós!

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Camila Berteli

Psicóloga, rebelde, nerd, educadora, freudiana e potterhead. Apaixonada por livros, cinema, arte, filosofia, história e pessoas!