RPG, Engajamento e Aprendizagem

Camila Berteli
6 min readMay 25, 2021

Como imaginar narrativas e construir cenários simbólicos podem ajudar as organizações a serem espaços de segurança psicológica e de colaboração.

Hoje é o dia do Orgulho Nerd, eu como uma membra oficial deste grupo desde muito cedo, mesmo em um tempo que não se tinha nenhum glamour (risos), hoje reconheço os benefícios que me trouxeram. Desde ser uma leitora voraz e apaixonada por histórias como eu me apresento, inclusive profissionalmente, o grande papel que teve na minha vida como um lugar para onde eu sempre vou nos períodos que preciso ficar comigo mesma e por último e o foco deste texto, o conhecimento sócio emocional e colaborativo que os jogos de RPG são capazes de desenvolver.

Como já dizia Einstein: “Eu acredito na intuição e na inspiração. A imaginação é mais importante que o conhecimento. O conhecimento é limitado, enquanto a imaginação abraça o mundo inteiro, estimulando o progresso, dando à luz à evolução. Ela é, rigorosamente falando, um fator real na pesquisa científica”.

Hoje eu vim falar um pouco do processo que mais aguça a minha imaginação, desta minha paixão antiga: o RPG, o “Role-Playing Game” ou jogo de interpretação de papeis em português. Por anos eu passava todas as minhas tardes jogando RPG, quando não estava jogando, estava pesquisando personagens, contextos e tudo relacionado a este universo. Eu não podia imaginar na época o quanto esse jogo estava me ajudando a ser uma adulta com muito mais repertório interno e externo.

O RPG é um jogo que abusa da imaginação, já o vimos em diversos filmes e séries como Jumangi e Stranger Things. É apoiado no diálogo e na troca de ideias, aspectos essenciais para a colaboração. É a partir da criação em grupo de narrativas e histórias que se joga. Muitas das aventuras são de colaboração e para alcançar os desafios o grupo precisa se perceber e jogar junto para que seja possível avançar.

Habilidades e competências como visão do todo, escuta ativa, pesquisar os desdobramentos das decisões, conhecer acontecimentos históricos, construção lógica, criatividade fazem de você um melhor jogador e ao longo do jogo você é desafiado a desenvolvê-las, mas é a empatia o maior desafio do jogo, quando mais você tiver a habilidade de entrar na vida do personagem, para pensar e agir como ele faria, mais resolutivo você fica. é fato que exercitar a empatia é uma de nossas urgências como humanidade e uma das mais difíceis de praticar.

Outro aspecto muito interessante do jogo é a possibilidade de interagir entre os jogadores completamente diversos, seja realmente ou por convite do próprio jogo, com certeza com quem você joga faz muita diferença na experiência, porém é uma regra se permitir a imaginação dos personagens que você da vida. Vamos refletir? Quantas vezes você teve essa oportunidade? Na vida adulta então, nem se fala. Somos limitados aos papéis sociais, não apenas os que escolhemos, como os que também são designados a nós pelos estereótipos sociais que carregamos.

É por isso que o ambiente seguro é tão importante, no jogo o mestre apresenta um sistema linguístico misturado com projeções sociais, onde cada contexto constrói sua imagem de jogo, reflexo de seus valores e modo de vida, que se expressa por meio da linguagem e que dá ao jogo significações distintas conforme a época e o lugar; Você pode experimentar ser um vilão, uma mocinha, guerreiras, mágicos, animais, gêneros distintos, etc. Cada aventura é uma experiência única, construída por aqueles que fizeram parte dela.

O Mestre fornece o material bruto e o contexto, mas todos os desdobramentos são dados pelos próprios jogadores, assim o jogo simbólico e a fantasia proporcionam uma regressão tática da mente, onde você pode testar formas, visualizar possibilidades que depois podem construir uma melhor adaptação à realidade.

Muitas empresas quebram as cabeças para pensar como proporcionar espaços de construção coletiva, com simulações práticas, vivenciais, incentivando a criatividade, a participação, a pesquisa e a integração dos colaboradores e é por isso que o RPG é uma ferramenta muito poderosa.

É como hackear os “não ditos” dentro das organizações com uma simulação de um contexto onde é possível tratar de tudo, por exemplo da cultura que queremos e em processo de mudança, uma melhor relação dos times, uma liderança mais corajosa, compartilhar emoções, crenças, valores e conhecimentos.

Ao vivenciar essas aventuras e situações, os membros trocam sentimentos, muitos deles que estavam guardados e que não apareceriam em um canal tradicional, ou seja, as emoções perceptíveis, mas não expressas. Todo o processo de trabalho conjunto cria insights mútuos dos membros da equipe.

É possível inclusive testar lideranças situacionais, na posição do “Mestre”, esta figura é essencial no jogo e é a responsável em descrever o contexto e dizer aos jogadores o que as suas personagens vivem, veem e ouvem, enquanto os jogadores descrevem o que eles estão fazendo para vencer o desafio. Aqui o fato do Mestre ser um facilitador não é mera coincidência. O jogo é baseado na colaboração e por isso o mestre deve antecipar dificuldades, dar caminhos e construir confiança. O RPG já desenhava o papel da liderança apoiadora muito antes das empresas saberem o que isso significa (risos).

Portanto, vejo aqui um caminho para organizações e times que buscam aumentar o engajamento e a aprendizagem. É possível criar esses ambientes lembrando que o desenvolvimento, muitas vezes, ocorre por meio da imaginação e da fantasia.

Na minha jornada organizacional eu não só já participei de diversos jogos como este, como também já usei e uso constantemente nas estratégias de engajamento e aprendizagem ao longo da carreira.

Não é preciso desenvolver um super jogo de tabuleiro, uma experiência fora da empresa, a não ser que essa já seja parte da sua cultura para testar. Cuidado a complexidade, pois ela pode inclusive, deixar aquelas pessoas não tão adeptas a este estilo desconfortáveis. Pode ser simples, intervenções silenciosas e muito poderosas.

Um convite a experimentar um papel diferente por um dia, quem sabe um espaço para trocas entre colegas com uma temática para reflexão, aquele vídeo sobre um caso, ou quem sabe um alinhamento temporário com um colega completamente diferente de você, já usamos essa técnica no mentoring tradicional e no reverso, por exemplo.

Pode ser juntar um grupo para solucionar um problema real da organização (Tipo um squad sabe rsrsr) com essa intenção de garantir um desenvolvimento e um ambiente de segurança para testar e errar. Ou mesmo um momento onde todos param para jogar algo mais simbólico como uma estratégia de socialização.

Assim como no jogo, na vida real a aprendizagem acontece por meio das conexões e relações de pertencimento que criamos com o espaço, com o time ou com a empresa. Espaços que proporcionam oportunidades de exploração das competências de cada indivíduo são espaços de engajamento das pessoas na prática.

Ampliar os caminhos para o engajamento e o desenvolvimento de colaboradores ativos, reflexivos, que estão inteiros na organização, envolvidos com a mente, o corpo, o pensamento e a intuição, trazem muitos resultados, todos nós sabemos disso e esse processo pode ser leve e divertido.

O RPG pode ser a experiência pela qual os trabalhadores têm a possibilidade de viver e construir o ideal de espaço, aquele ideal que ocupa o imaginário de todo trabalhador, principalmente hoje em dia quando falamos tanto de propósito.

Use ferramentas como está, não apenas para pensar no que precisa ser feito, mas principalmente para trazer espaço de ressignificação do mundo real dentro da empresa. Há muita coisa que precisamos ver em nós, nos outros, enquanto times e nos espaços que ocupamos, que nem sempre estão obvias, muitas vezes é preciso olhar por outro prisma.

Talvez está no campo do simbólico o que a sua organização precisa para trabalhar os pontos de dor da cultura e criar mais relações de confiança e colaboração.

Para fechar deixo mais uma frase do Einstein que com certeza ia ser um ótimo jogador de RPG:

Quando todo o resto falhar ou faltar resta-nos a imaginação. Albert Einstein

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Camila Berteli

Psicóloga, rebelde, nerd, educadora, freudiana e potterhead. Apaixonada por livros, cinema, arte, filosofia, história e pessoas!